Vieira de Santiago - guia no caminho
"Caminham em filas ao lado das estradas nacionais, por trilhos de terra batida, atravessando pequenos povoados que antes desconheciam, cruzando horas e horas a paisagem de giestas e silêncio. Têm em português um nome que deriva de uma forma latina: Per ager, que significa "através dos campos"; ou Per eger, "para lá das fronteiras". Definem-se, assim, por uma extraterritorialidade simbólica que os faz, momentaneamente, viver sem cidade e sem morada. Experimentam uma espécie de nomadismo: não se demoram em parte alguma, comem ao sabor da própria jornada, dormem aqui e ali. Num tempo ferozmente cioso da produção e do consumo, eles são um elogio da frugalidade e do dom. Relativizam a prisão de comodismos, necessidades, fatalismos e desculpas. E o seu coração abre-se à revelação de um sentido maior.
A verdade é que é difícil ter uma vida interior de qualidade, se nem vida se tem, no atropelo de um quotidiano que devora tudo. Na saturação das imagens que nos são impostas, vamos perdendo a capacidade de ver. No excesso de informação e de palavra, esquecemos a arte de ouvir e comunicar vida. Damos por nós, e há, à nossa volta, um deserto sem resposta que cresce. E quando nos voltamos para Deus, parece que não sabemos rezar. Estes peregrinos que tornam a encher as estradas de Santiago assinalam-nos o dever de buscar a estrada luminosa da própria vida. Já não separam a existência por gavetas estanques, mas o seu corpo e a sua alma respiram em uníssono. A oração torna-se natural como uma conversa, e as conversas enchem-se de profundidade, de atenção, de sorrisos. A parte mais importante dos quilómetros que percorrem não está em nenhum mapa: eles caminham para um centro invisível onde pode acontecer o encontro e o renascimento.
Queria dedicar este texto a um amigo que fez a sua primeira peregrinação. A meio do caminho enviou-me uma mensagem a dizer: «Aprendo a rezar com os pés».
José Tolentino Mendonça
O caminho faz-se de vida!
O p.Rui dizia que o caminho não é mais do que a estufa da nossa vida e que era ali que nos íamos descobrindo!! "É aqui que vos conhecemos porque é aqui que as personalidades vêm ao de cima, é no caminho que vemos como reagem à dor, como se entreajudam e como convivem!" dizia ele numa conversa que teve connosco e que se seguiu de um abraço dos bons, o dos 16 anos..
O caminho faz-se de lágrimas e sorrisos, dor e gargalhadas, de olhares que reflectem o medo e, por vezes, o desânimo! O caminho não se faz da força de duas pernas, nem da resistência de muitos anos de desporto, muito menos de uma alma sozinha, porque o caminho só se faz com a força de muitas pernas (dos que caminham ao nosso lado e dos que caminham connosco), com a resistência de muitos laços e muita amizade e, sobretudo, com a alma cheia de sorrisos! E, no fundo, a bagagem de quem caminha não é mais do que um coração cheio de amor de todos aqueles que já caminharam, dos que caminham e dos que caminharão connosco nesta vida que, para mim, já vai nos 16 anos e uns dias!
No fim, na alegria da chegada, concluí que, também eu, tinha aprendido a rezar com os pés!